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Imagine acordar em um hospital e descobrir que sua mente parou no passado. Para você, é outubro de 2001. Mas, para o resto do mundo, já se passaram 12 anos.

Essa foi a realidade de Pierdante Piccioni, médico italiano, especialista em emergência, que sofreu um acidente de carro e entrou em coma por algumas horas. Quando despertou, não sabia que o mundo já havia mudado — e que ele mesmo também havia mudado.

O despertar no futuro
Pier acordou em 2013, mas sua memória estava congelada em 2001. Ele não reconheceu o próprio rosto no espelho, estranhou os cabelos grisalhos, ficou confuso com o envelhecimento da esposa e se surpreendeu ao ver que seus filhos — que na sua mente eram crianças — agora eram adultos.

Ele descreve esse momento como se tivesse sido jogado em um universo paralelo. Tudo havia evoluído: tecnologia, costumes, aparência das pessoas, até o ambiente doméstico. Mas o mais doloroso foi descobrir que havia perdido a mãe durante esse intervalo — e não lembrava de nada.

Reconstruindo a própria identidade
O impacto da perda de memória foi tão profundo que Pier passou meses tentando entender quem ele era. Descobriu que havia se tornado chefe do departamento de emergência, mas também ouviu dos colegas que era um líder extremamente rígido. O apelido? “Príncipe bastardo”.

Essa descoberta o incomodou. Ele decidiu fazer algo incomum: releu mais de 76 mil e-mails antigos trocados durante os 12 anos em que esteve “ausente” da própria história. Tudo isso para tentar se reconhecer nos textos, nas respostas, nos pequenos traços da sua personalidade esquecida.

Foi assim que ele entendeu que havia se tornado alguém que não queria mais ser. E foi também assim que decidiu mudar.

A segunda chance
Ao lado da esposa, que se manteve firme apesar das dificuldades, e dos filhos, que reaprenderam a conviver com ele, Pier iniciou um processo de reconstrução. Fez terapia, estudou novamente conteúdos médicos, passou por dezenas de avaliações e voltou a exercer a medicina — agora com outro olhar.

Passou a se dedicar ao atendimento de pacientes com Alzheimer, demência e distúrbios de memória. Alguém que perdeu a própria história decidiu ajudar outros a preservarem a deles.

Pier escreveu um livro, inspirou uma série italiana de sucesso e foi tema de reportagens em todo o mundo. Seu testemunho virou exemplo de resiliência, empatia e transformação.

O que isso nos ensina?
Quantos de nós estamos vivendo no piloto automático? Quantas vezes nossa rotina — especialmente no meio médico — nos rouba a sensibilidade, a escuta, a leveza?

Pier mostra que não é preciso perder 12 anos para reencontrar o que realmente importa. Às vezes, basta parar. Ouvir. Refletir. Recalcular.

No fim das contas, ele descobriu que havia se tornado um médico melhor não apesar da dor, mas por causa dela.

E deixou um recado poderoso:

“Se quiser viver, não se prenda ao passado. Construa um futuro melhor — mesmo sem lembrar do que foi deixado para trás.”